sábado, 7 de dezembro de 2013

Em carta aberta Clóvis Nunes, do MovPaz , se diz “de mãos limpas e alma pacificada”


Quinta , 05 de Dezembro de 2013
Feira de Santana

Publicada em 04 de Dezembro de 2013 ás 16:49:43

Em carta aberta Clóvis Nunes, do MovPaz , se diz “de mãos limpas e alma pacificada”
Roberto Kuelho / BK2
Clóvis Nunes emocionou durante entrevista coletiva

O pacifista Clóvis Nunes, que atua como diretor da Ong MovPaz  e coordena o programa de desarmamento do governo federal se emocionou durante entrevista coletiva na manhã desta quarta-feira (4) em Feira de Santana (BA) no Clube dos Dirigentes Lojistas. Clóvis narrou tudo que sofreu nos últimos dias, após ser investigado por suposta fraude no programa de desarmamento.
Durante o encontro com a imprensa, onde esteve acompanhado por seu advogado Ricardo Moraes, familiares, membros da comunidade espírita e amigos, a exemplo da cantora Márcia Porto, organizadora das “Caminhadas pela Paz”. Um sereno Clovis falou de sua luta pela paz e relembrou sofrimento de outros militantes pelo mundo. Emocionado, ele deixou claro disse que não pretende interromper o trabalho pacifista que faz há cerca de duas décadas.
“A polícia federal violou meu sigilo bancário, fez um levantamento de todos os meus bens e não encontrou absolutamente nada. Eles não têm nenhuma prova que impute contra mim o que alegou a acusação e a imprensa. Se houve fraude na campanha, nas guias de protocolo, todos elas ocorreram dentro do 1º BPM (Batalhão da Polícia Militar”, declarou. Assista vídeo com afirmação gravado “Blog da Feira”:





Em carta uma carta aberta enviada à imprensa, Clóvis relata tudo que ocorreu do momento de sua detenção para averiguação até a liberação. Neste período, segundo contou ao BK2, Clóvis respondeu a cerca de 120 perguntas da polícia. O pacifista disse que segue “de mãos limpas, de alma pacificada e consciência tranqüila”. 

CARTA ABERTA DE CLÓVIS NUNES PARA OS VOLUNTÁRIOS DO MOVPAZ E A SOCIEDADE BRASILEIRA
Surpreendido na manhã de 28 de novembro desse ano, às 6:30 a.m., recebi com estranheza o grupo de policias federais com um mandado de busca e apreensão, procurando dinheiro e armas no pequeno apartamento, em que resido, apenas para trabalhar, junto com meu filho. Após breve diálogo com os agentes federais, esses me informaram da inesperada operação VULCANO, que envolvia o meu nome e o nome da ONG MovPaz. Afirmaram também desconhecer a natureza das investigações, no entanto, orientaram-me que teria que pegar um vôo com destino à Salvador – às 13:00 h – e posteriormente seguir para me apresentar e depor na Delegacia da Polícia Federal de Feira de Santana. E veio, então, a notícia que me deixou atônito: “O senhor vai precisar de um advogado, porque foi decretado pelo juiz federal de Feira de Santana uma prisão cautelar de natureza investigativa durante cinco dias.” Surpreso, confuso e com a curiosidade acentuada para saber do que se tratava, fui alertado, no caminho, pelos agentes federais que a investigação tinha referência ao posto de entrega voluntária de armas, que funciona em parceria com o Primeiro Batalhão da Polícia Militar e a Casa da Paz.
Cheguei em Feira de Santana às 17:30 h. À porta da delegacia um volumoso número de repórteres, que inopinadamente me pediam respostas que eu ainda não tinha, pois não possuía nenhuma informação sobre a origem das denúncias. Ao adentar o recinto, encontrei parte da minha família desolada e em sofrimento, cuja repercussão precipitada da mídia já havia atingido. Ao abraçar a minha esposa e meu filho, revelaram-me que a cidade inteira já havia tomado conhecimento, através dos noticiários, que eu tinha sido preso como um criminoso chefe de quadrilha e que havia desviado dos cofres públicos cerca de 1,3 milhão de reais. Meu Deus! Não acreditava que aquilo estava se passando comigo e que aquela acusação estava sendo realmente assacada contra mim.
Fui convidado a entrar na sala para o interrogatório, acompanhado pelo meu advogado, Dr. Ricardo Moraes, que já me aguardava. Sentei-me serenamente com meu coração leve e consciência absolutamente tranquila, sem esconder, contudo, a perplexidade, e escutei as duras e injuriosas palavras do delegado federal Wal Goulart, que em voz alta e extremada me acusava do ilícito: fraude na Campanha do Desarmamento, formação de quadrilha e desvio de dinheiro público. Confirmando, assim, o que havia escutado minutos atrás dos meus familiares. Escutei tudo em silêncio e não pude disfarçar o desconforto emocional por ter a minha honra e dignidade sendo atacadas diante de um profissional representante de uma instituição como a Polícia Federal. Fiquei quase em estado de choque. Respirei fundo, e em silêncio, evoquei Jesus e a presença dos bons espíritos. No meu interior, a convicção inabalável: SOU INOCENTE!
Minutos depois, sentou-se à minha frente o delegado Fábio Campos, que me interrogou, ponderadamente, de forma cortês, com um questionário de 110 perguntas, às quais respondi na integralidade, com convicção e sem nenhuma dúvida. Meu telefone estava grampeado há quase quatro meses e pude ouvir muitos diálogos e e-mails violados, de cuja interpretação dúbia dos mesmos me foram feitas várias perguntas. Respondi a todas elas da mesma forma.
Encerrado o interrogatório, perguntei ao meu advogado: “Para onde vou depois daqui?”. E veio uma resposta fulminante: “Para o presídio!”. Nenhum agente, até então, havia-me dito isso! Disseram-me apenas que ficaria acautelado pela polícia federal durante cinco dias. Pude entender o pavor, a tensão e a tristeza dos meus familiares no momento do encontro, uma vez que todos já sabiam disso através da mídia, menos eu…
Fui conduzido até o DPT para o exame de corpo e delito e depois transportado para o presídio. Ao adentrar o ambiente, exigiram que eu retirasse a minha roupa e vestisse a “farda de casa”: uma bermuda e camisa amarelas, sujas e suadas – já vestidas por outro preso –, de número bem menor do que o meu, o que me causou desconforto. Tive também que carregar dois colchões, aos quais eu não tinha direito, mas que foram deixados por familiares. Adentrei a sela por volta das 00:00h e me encontrei com meu irmão, Carlos Nunes, que havia sido preso antes de mim. Fui recebido efusivamente pela ironia e sarcasmo de mais oito presos que dividiram o espaço conosco. Foram cinco dias e noites de desolação, humilhação, solidão e escuta de depoimentos inconfessáveis dos oito detentos, que contavam suas histórias estarrecedoras! Com o coração transpassado por uma dor moral sem tamanho, em extrema solidão de uma madrugada sem horas, enquanto todos dormiam, a insônia parecia não ter fim. Angustiado e triste, comecei a andar no corredor da prisão e as lágrimas incontroláveis que desciam dos olhos não conseguiam traduzir a dor da minha alma. Eu apenas me perguntava: “Por que, meu Deus, tanta injustiça?”

Com mais de vinte anos trabalhando pela paz, dezesseis deles dedicados ao desarmamento, horas de serviços prestados à causa da cultura pela paz… Tanta renúncia, sem nenhum interesse financeiro; dirigindo o MovPaz (uma ONG sem fins lucrativos, cujos diretores do Brasil, em onze estados, incluindo a mim – conforme rezam os estatutos – não podem ser remunerados). Ali me encontrava preso, vivendo o repúdio e o escárnio dos que me acusavam e me julgavam na cidade e no país inteiro através da mídia.
Dentro da prisão, na segunda noite, segurando nas grades da cela, comecei então a chorar mais alto, pedindo resignação a Deus, para suportar a prova e a agonia daquelas horas de trevas. De repente, de uma forma inesperada, uma memória súbita e ostensiva invadiu minha mente como um clarão naquela madrugada escura: lembrei-me de outros pacifistas, bem maiores que eu, que também passaram por agonias bem maiores. Recordei-me de Gandhi, preso muitas vezes; de Nelson Mandela, 27 anos encarcerado; de Stevie Biko, torturado e morto depois de dezoito dias, sem comer na prisão; muitos monges budistas tibetanos, todos presos, inocentes; muitos adoeceram e morreram na sela, no desalento, sem cuidados, nem assistência. Senti uma força imensa que me revigorava… Segundos depois, uma calma inexplicável me fez pensar: Deus me deu uma prova muito menor que a deles, de apenas cinco dias, porque sou um pacifista tão pequeno, cuja dor veio proporcional ao meu tamanho! A partir de então, fiquei sereno, tranquilo; uma nova força interior tomou conta de mim. Deitei e dormi profundamente, experimentando uma paz intraduzível…
Quero aqui esclarecer a todos que o posto de entrega voluntária de armas é cadastrado no 1º Batalhão da Polícia Militar (BPM) de Feira de Santana. A Casa da Paz é apenas um espaço auxiliar da sociedade civil, onde se recebe a entrega das armas. Lá, o procedimento e a rotina eram os seguintes: ao chegarem na Casa da Paz, as pessoas que entregavam as armas eram recebidas por um ou mais voluntário, sempre na companhia de dois policiais militares. Esses, em conjunto, averiguavam a natureza das armas entregues. Posteriormente, as armas eram danificadas na presença do entregador. Durante a manhã ou pela tarde, chamava-se uma viatura da polícia militar para conduzir as armas (já danificadas), acompanhadas de uma Guia de Controle de Entrega e por uma Guia de Transporte, até o 1º BPM. Chegando lá, as armas eram recebidas por outro policial, para serem guardadas em ambiente próprio. O policial que recebia, assinava uma Guia de Recebimento que devolvia à Casa da Paz. Posteriormente, o voluntário da Casa da Paz (no caso, Carlos Nunes) se dirigia ao Batalhão em seu próprio automóvel, para retirar os protocolos de indenização, que seriam preenchidos e impressos nos computadores do 1º BPM. Os protocolos, por sua vez, deveriam ser sempre digitados por um policial militar, que possuía uma senha do Intranet da Segurança Pública Brasileira (INFOSEG). A senha do INFOSEG é pessoal e intransferível, designada em sigilo para o policial responsável que tem o perfil autorizado por um único coronel do estado da Bahia, no caso, o Coronel Carvalho Melo, de Salvador. De posse dos protocolos impressos, o voluntário (Carlos Nunes) voltava à sede da Casa da Paz e os entregava aos antigos donos das armas, que, de acordo com o Estatuto do Desarmamento, são preservados em sua identidade, sem necessidade de justificar a origem da arma. (Faz-se então justificável o volume de armas entregues, uma vez que nos postos abertos da Delegacia de Polícia as pessoas tem medo de entregar a arma e serem presas, por conta da cultura do medo da polícia). Os antigos donos das armas, então, poderiam fazer a retirada do dinheiro em qualquer caixa eletrônico do Banco do Brasil, digitando a série de números impressas em cada protocolo.
As mais de quatro mil e quatrocentas (4.400) armas que estão guardadas no 1º BPM, foram pagas em indenização aos seus respectivos donos, utilizando o procedimento descrito acima. Vale frisar que todas elas foram entregues espontaneamente e de forma voluntária por cada cidadão. Ao contrário do que se diz, nunca existiu qualquer fábrica de armas caseiras. Aliás, na própria tabela de preços e no campo de preenchimento do protocolo de indenização encontram-se os nomes: garrucha, espingarda e marca não identificada. Todas as armas que foram entregues tinham o poder de fogo e possuíam condições de matar.
Saliento que nunca foi tirado nenhum protocolo dos computadores da Casa da Paz, porque esses não eram cadastrados na INFOSEG, o que impossibilitava tal procedimento. Durante todo esse período da campanha, mais de 500 armas artesanais e simulacros, sem indenização, foram selecionadas previamente e jogadas fora pela Casa da Paz. Muitas delas se encontravam no piso externo da Casa da Paz, debaixo do painel do desarmamento, onde se procediam o ato de danificação das armas. Se foram pagas guias de armas inexistentes, nenhuma delas foi retirada por mim. Minhas mãos nunca tocaram em um computador do 1º BPM. Se foi o meu irmão que fez isso, não posso responder por seus atos. Não teve o meu conhecimento nem a minha ordem. Não tive nenhum envolvimento intelectual ou material nessa ação. Confio na apuração da justiça, que esclarecerá os fatos e demonstrará a verdade através das investigações, sobre as quais sou totalmente favorável.
Desde a existência do posto até atual momento, jamais saquei quaisquer guias de protocolos em proveito próprio ou de outrem e desconhecia completamente essa fraude, até que me foi revelada no dia do interrogatório. Não tinha como, da minha parte, ter o controle dos computadores da Polícia Militar. Muito menos tive acesso às senhas, o que pode ser conferido pelas investigações.
A polícia federal violou meu sigilo bancário, fez um levantamento de todos os meus bens e não encontrou absolutamente nada. Eles não têm nenhuma prova que impute contra mim o que alegou a acusação e a imprensa. Se houve fraude na campanha, nas guias de protocolo, todos eles ocorreram dentro do 1º BPM.
De mãos limpas, de alma pacificada e consciência tranquila, volto a afirmar: SOU INOCENTE!
Desde já quero aqui expressar meu profundo agradecimento a Deus e aos Bons Espíritos que me ajudaram na sustentação, resignação e capacidade de compreender e tolerar as injúrias e admoestações daqueles que não simpatizam, nem gostam de mim e do meu trabalho. Lembrando também de expressar meu sincero reconhecimento e profunda gratidão a numerosa rede de amigos de todo o Brasil que me hipotecaram a sua solidariedade e sua confiança na certeza de minha inocência.
Paz pela paz.

Clóvis Nunes                                                                                               

Por Roberto Kuelho